Ariano Intenso - Cinéfilo - Fã de Star Wars, Iron Maiden, fotografia, arte e cerveja.

terça-feira, 19 de maio de 2009

De como eu fiquei gago (A gênese)

Aconteceu comigo: fui contratado pelo chefe do meu chefe. No que depender de mim, nunca mais permitirei que isso aconteça em minha carreira. Uma contratação só pode dar certo quando ela parte de quem vai ser o seu chefe direto, quando ela é um desejo genuíno do sujeito para quem você vai se reportar. Quando o chefão lhe procura, a sua primeira reação é se imaginar numa situação especial, privilegiada, afinal, é o pai-de-todos que está interessado em você. A julgar pela minha experiência, no entanto, há várias grandes, imensas, profundas arapucas escondidas aí.

Depois de negociar com o chefão, fui convidado a conhecer aquele que seria o meu chefe direto. Tivemos uma série de almoços para lá de agradáveis. E eu imaginei que tudo estava bem. Não estava. Só muito mais tarde percebi que a cultura daquela empresa era militar, de uma verticalização das decisões muito forte. E meu chefe direto, em especial, era um sujeito muito sensível àquela hierarquia semi-ditatorial. (Não por acaso, estava na empresa há mais de 25 anos.) Então ele acatou a sugestão do seu chefe sem pestanejar. Em lugares assim, regidos pelo medo, qualquer insight que o chefe tem no elevador é a idéia mais brilhante de todos os tempos. Moto-contínuo, também sem pestanejar, ele decidiu que eu era uma ameaça. Mais jovem, com outra formação e com a missão oficial de trazer idéias novas, meu chefe me tomou, sei lá, como alguém que estava ali para roubar a sua cadeira - de maneira combinada com o chefão ou não. (Ele deve ter sofrido muito com isso.) Me tomou, no mínimo, como um recado indigesto de que precisava mudar, evoluir, fazer diferente. Em suma: me viu, desde o primeiro momento, como o invasor a ser batido. Riscou um xis na minha testa antes mesmo de eu assumir meu posto. Tudo na maciota, no sapatinho, na grande hipocrisia dos sorrisos construídos com ódio.

Já pensei várias vezes se eu deveria ter chegado ali com mais ímpeto. Se a minha estratégia de chegar pianinho acabou passando uma idéia de pouca solidez e de fragilidade. Já pensei várias vezes que, ao contrário, apesar da modéstia de que me revesti naquela chegada, talvez eu tivesse que lamber solas de sapato para sobreviver. Ou nem mesmo assim. Hoje penso que não importa o que tivesse feito ou deixado de fazer: meu destino já estava selado desde o início. Minha contratação havia tido um problema de origem, insolúvel. Não adiantaram todas as minhas tentativas de aproximação, para ganhar confiança, para liberar meu chefe do dia-a-dia, para que ele assumisse uma posição mais condoreira. Quis que minha presença permitisse a ele trabalhar menos. Não deu certo. Quis me posicionar como seu pupilo, para que imprimisse em mim as marcas do seu DNA, para que me enxergasse como parte da família, do time. Também não deu certo. Nada daria. Eu era um sapo que ele havia engolido. E que estava só esperando o tempo da digestão para ser devidamente expelido.

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